Sorocaba,
Março de 2012
LUGARES, MOMENTOS E DESTINOS
Por: Edmilson
Ribeiro[1]
O apresentador José Desidério, âncora do programa
de televisão intitulado “Cantinho da Amizade”, tinha como convidado, o Dr. Lázaro
Paulo Escanhoela Júnior, Advogado e Juiz de Direito entre 1984 e 1998.
A entrevista começa com certa informalidade, característica desse entrevistador e logo fez a seguinte
pergunta:
- Dr. Escanhoela, você não nasceu advogado ou
juiz de direito. Certamente caçou coelhos, passarinhos, correu nos campinhos de
futebol e foi criança "levada". Como seguiu carreira nas ciências jurídicas?
Eis a resposta:
- Queria ser médico - respondeu o advogado – sou da cidade de Piedade
e estudei em escola pública estadual...
Confesso que, até então expectador alheio, fui
surpreendido com a resposta do jurista...
Eita Piedade!! . . . pensei: está em todos os
lugares!
Continuando a entrevista, o notável advogado
prosseguiu:
- Queria ser médico, mas uma professora que
lecionava geografia nessa escola de Piedade...
Tenho que interromper o relato da entrevista
para descrever minha ansiedade em saber o nome dessa professora que estava
prestes a ser revelado. Era como se eu estivesse num bingo com prêmio
milionário, cuja cartela se preenchia a cada pedra cantada, nesse caso a entrevista, mas continuemos...
[...] queria ser médico, mas uma professora que
lecionava geografia nessa escola de Piedade (prosseguiu o entrevistado) me incentivou
ao abandono da medicina, para que eu seguisse a carreira jurídica: era a professora
MARIA LUCIA DE AMORIM SOARES.
- BINGO!!!! Isso não era possível, ou melhor,
isso era possível.
Normalmente, as situações cotidianas das
pessoas levam às mais diversas decisões. Trago para este ambiente escritolido[2], uma
reflexão de Jean-François Lyotard sobre a importância da remodelização das
mentalidades às novas perspectivas para a existência na condição pós-moderna.
Segue a entrevista:
- Que medicina rapaz! - relatou o
entrevistado citando carinhosamente a profª Maria Lúcia – seu pai é cartorário
e você deve seguir os passos da sua família. Você (continuou a professora) deve
seguir para a carreira jurídica! Seu futuro está na advocacia, profetizou.
O que
verdadeiramente amamos? Que coisa nos fascina? Pelo que sentimos dominados e ao
mesmo tempo totalmente acumulados? Nessa entrevista testemunhei como as pessoas
se completam, crescem e transfiguram
mutuamente.
Estava posto à minha frente que a verdadeira
essência dos educadores, com toda severidade, não poderia ser outra senão a de
“libertadores”.
Nesse instante contendi com Foucault,
Deleuze, Kant, essa turminha francesa e alemã metida a "besta", não conhecem o poder interveniente de uma mulher chamada “Maria Lucia”.
Königsberg[3]
tremeria diante da cidade de Piedade, edificada em estruturas pré-cambrianas!
Que danada! - recordei com profundo respeito os ditos da
professora lugareira. Num dia ensolarado de uma semana qualquer, um galo canta,
um avião passa, a professora fala que você deve seguir por outros caminhos. E
tudo isso acontece inesperadamente...
Sobre a educação, Nietzsche[4] enfatiza
que existem outros meios de encontrar a si mesmo, de escapar do aturdimento o
qual nos colocamos habitualmente, porém não reconhece coisa melhor do que
lembrar dos mestres e educadores. No momento da tempestuosa juventude, cada
acontecimento pessoal se reflete num duplo clarão, como exemplificação da
realidade cotidiana e ao mesmo tempo como um problema eterno, espantoso e digno
de explicação. Nesta idade, em que vê suas experiências, por assim dizer,
envolvidas por um arco-íris metafísico, o homem tem necessidade suprema de uma
mão que o guie, porque, de repente e quase instintivamente, ele é persuadido da
ambiguidade da existência e porque perdeu já o solo firme das opiniões
tradicionais às quais estava até então ligado ( Nietzsche, 2003, 127-128)
Não me recordo como encerrou a entrevista com
o notável jurista.
Para mim bastava! O desenlace estava perfeito
e seguia o destino: o aluno, a professora e a escola de Piedade.
Quem sabe?
O tempo passa furtivamente.
Chamo para remate, fragmentos do texto Reverência ao Destino, de Drummond [5], para que me ajude a assegurar um
final à altura dessa historia:
Reverência
ao Destino [fragmentos]
Falar é
completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil
é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto
queremos dizer, antes que a pessoa se vá [...].
Fácil é
perguntar o que deseja saber.
Difícil
é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta [...].
(depois eu continuo... )

A frase “depois eu continuo” seguido de um espaço em branco, era somente um lembrete, mas vou deixá-la lá, visto que
a história ainda não terminou l
l l
[1]
Administrador, professor universitário e mestrando em educação.
[2]
Para mostrar a única possibilidade de existência desses termos em que um tem
relação com o outro e só existe nesta relação, Nilda Alves os juntou em uma
única palavra.
[3]
Königsberg, Prússia: atual cidade russa de Kaliningrado.
[4]
NIETZSCHE, Friederich W. Escritos sobre a educação. São Paulo:Loyola, 2003
[5]
O texto “Reverência ao destino” é creditado à Carlos Drummond de Andrade, porém
não consta em nenhuma de suas obras, o que deixa dúvidas sobre sua autoria.
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