domingo, 16 de setembro de 2012

Lugares, momentos e destinos


Sorocaba, Março de  2012
 LUGARES, MOMENTOS E DESTINOS
Por: Edmilson Ribeiro[1]
 Aproveitando mais um dia das férias em frente à televisão, me chamou atenção uma entrevista no canal comunitário TVCOM SOROCABA.
O apresentador José Desidério, âncora do programa de televisão intitulado “Cantinho da Amizade”, tinha como convidado, o Dr. Lázaro Paulo Escanhoela Júnior, Advogado e Juiz de Direito entre 1984 e 1998.
A entrevista começa com certa informalidade, característica desse entrevistador e logo fez a seguinte pergunta:
- Dr. Escanhoela, você não nasceu advogado ou juiz de direito. Certamente caçou coelhos, passarinhos, correu nos campinhos de futebol e foi criança "levada". Como seguiu carreira nas ciências jurídicas?
Eis a resposta:
- Queria ser médico -  respondeu o advogado – sou da cidade de Piedade e estudei em escola pública estadual...
Confesso que, até então expectador alheio, fui surpreendido com a resposta do jurista...
Eita Piedade!!    . . .   pensei: está em todos os lugares!
Continuando a entrevista, o notável advogado prosseguiu:
- Queria ser médico, mas uma professora que lecionava geografia nessa escola de Piedade...
Tenho que interromper o relato da entrevista para descrever minha ansiedade em saber o nome dessa professora que estava prestes a ser revelado. Era como se eu estivesse num bingo com prêmio milionário, cuja cartela se preenchia a cada pedra cantada, nesse caso a entrevista, mas continuemos...
[...] queria ser médico, mas uma professora que lecionava geografia nessa escola de Piedade (prosseguiu o entrevistado) me incentivou ao abandono da medicina, para que eu seguisse a carreira jurídica: era a professora MARIA LUCIA DE AMORIM SOARES.
- BINGO!!!! Isso não era possível, ou melhor, isso era possível.
Normalmente, as situações cotidianas das pessoas levam às mais diversas decisões. Trago para este ambiente escritolido[2], uma reflexão de Jean-François Lyotard sobre a importância da remodelização das mentalidades às novas perspectivas para a existência na condição pós-moderna.
Segue a entrevista:
- Que medicina rapaz! - relatou o entrevistado citando carinhosamente a profª Maria Lúcia – seu pai é cartorário e você deve seguir os passos da sua família. Você (continuou a professora) deve seguir para a carreira jurídica! Seu futuro está na advocacia, profetizou.
 O que verdadeiramente amamos? Que coisa nos fascina? Pelo que sentimos dominados e ao mesmo tempo totalmente acumulados? Nessa entrevista testemunhei como as pessoas se completam, crescem e transfiguram mutuamente.
Estava posto à minha frente que a verdadeira essência dos educadores, com toda severidade, não poderia ser outra senão a de “libertadores”.
Nesse instante contendi com Foucault, Deleuze, Kant, essa turminha francesa e alemã metida a "besta", não conhecem o poder interveniente de uma mulher chamada “Maria Lucia”.
Königsberg[3] tremeria diante da cidade de Piedade, edificada em estruturas pré-cambrianas!
Que danada!  - recordei com profundo respeito os ditos da professora lugareira. Num dia ensolarado de uma semana qualquer, um galo canta, um avião passa, a professora fala que você deve seguir por outros caminhos. E tudo isso acontece inesperadamente...
Sobre a educação, Nietzsche[4] enfatiza que existem outros meios de encontrar a si mesmo, de escapar do aturdimento o qual nos colocamos habitualmente, porém não reconhece coisa melhor do que lembrar dos mestres e educadores. No momento da tempestuosa juventude, cada acontecimento pessoal se reflete num duplo clarão, como exemplificação da realidade cotidiana e ao mesmo tempo como um problema eterno, espantoso e digno de explicação. Nesta idade, em que vê suas experiências, por assim dizer, envolvidas por um arco-íris metafísico, o homem tem necessidade suprema de uma mão que o guie, porque, de repente e quase instintivamente, ele é persuadido da ambiguidade da existência e porque perdeu já o solo firme das opiniões tradicionais às quais estava até então ligado ( Nietzsche, 2003, 127-128)
Não me recordo como encerrou a entrevista com o notável jurista.
Para mim bastava! O desenlace estava perfeito e seguia o destino: o aluno, a professora e a escola de Piedade.
Quem sabe?
O tempo passa furtivamente.
Chamo para remate, fragmentos do texto Reverência ao Destino, de Drummond [5]para que me ajude a assegurar um final à altura dessa historia:

Reverência ao Destino [fragmentos]
Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá [...].
Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta [...].

(depois eu continuo...                    )
  
Caixa de texto: NOTA  DE  DEBASTIDORES:     Comecei a escrever esse texto para que tivesse a personalidade de um “e-mail”. Destinatários: professores Maria Lúcia (protagonista da historia), Eliete e Luiz Fernando, todos do Programa de Pós-Graduação em Educação. A mensagem tinha por finalidade relatar trechos da entrevista exibida num canal de televisão, no entanto as palavras chegavam, enfileiravam, e com uma persistência inflexível, insistiam em fazer parte do texto. Elas foram ficando, dando volume e consistência, ofertando uma fuga dos parâmetros de um e-mail.
A frase “depois eu continuo” seguido de um espaço em branco, era somente    um lembrete, mas vou deixá-la lá, visto que a história ainda  não terminou                                                                                                                                                                                                                                                               l     l     l 


[1] Administrador, professor universitário e mestrando em educação.
[2] Para mostrar a única possibilidade de existência desses termos em que um tem relação com o outro e só existe nesta relação, Nilda Alves os juntou em uma única palavra.
[3] Königsberg, Prússia: atual cidade russa de Kaliningrado.
[4] NIETZSCHE, Friederich W. Escritos sobre a educação. São Paulo:Loyola, 2003
[5] O texto “Reverência ao destino” é creditado à Carlos Drummond de Andrade, porém não consta em nenhuma de suas obras, o que deixa dúvidas sobre sua autoria. 

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